Análise do Livro Didático de Alfabetização
Uma Abordagem Epistemológica
Nota do autor: Desde os anos ’80 ,tenho realizado
estudos, produzido material e acompanhado o ensino da leitura, seja como
professor do Curso Normal – nível médio- seja como coordenador da equipe
pedagógica da 24ª SRE - Nova Era –MG. Realizei,
então, a pesquisa de campo – “Trabalho Coletivo em Educação :
Alfabetização – Carência ou Possibilidade? – Dissertação de Mestrado na Fundação Getúlio Vargas – RJ. O presente
trabalho foi apresentado em 2004, no 2º Seminário de Educação, na UNIPAC –Raul Soares,
onde coordenei o Curso Normal Superior. E, em 2008, no Curso de Especialização em Psicopedagogia
e Educação Infantil( UNIPAC) – Mariana -MG , na expectativa de contribuir na
formação psicopedagógica dos educadores. Aqui no Blog, as análises dos livros
didáticos as idéias e conceitos pretendem subsidiar as discussões sobre a” desmetodização” do ensino da leitura e
suas conseqüências na alfabetização competente das novas gerações. Entrem no
debate!
INTRODUÇÃO
A questão da alfabetização e da
reprovação escolar nas séries iniciais continua sendo um problema no país, em
que pese à quase universalização do ensino e oferta de incentivos à freqüência
escolar pelos programas dos governos, tanto federal quanto estadual.
Entretanto, ainda persistem nas
sérias iniciais, os índices de reprovação e, aumenta, nas diversas séries do
Ensino Fundamental, o número de alunos que “lêem, mas não entendem” ou “não
sabem escrever um pequeno texto”, conforme resultados da Prova Brasil, artigos
e publicações de revistas e jornais do país.
Sem pretender discutir as propostas
de alfabetização existentes, como o “Ciclo Básico”, Programa do Livro
Paradidático, de bibliotecas, ou as “Campanhas de Alfabetização”, nosso foco é
o livro didático de alfabetização, considerando que ele é distribuído “gratuitamente”
a todas as escolas do país e que, em muitas delas, constitui o único meio de
ensinar a língua culta à população.
Desde a referida dissertação do
mestrado – em 1983 – constatamos que:
- É o professor sozinho que utiliza o livro didático muitas
vezes sem conhecê-lo e sem discussões sobre a melhor maneira de fazê-lo.
- Não há pesquisas nas universidades ou nos órgãos públicos a
respeito dos melhores meios de ensinar a ler com competência – apenas a
programações cada vez mais sofisticadas de avaliação sistêmica e os PCNs não
abordam a questão.
- É necessária uma abordagem epistemológica que entenda o
livro didático, dentro do processo de conhecimento, à luz da Psicologia
Cognitiva e das descobertas das neurociências
.
.
REFERENCIAL TEÓRICO
Nossa hipótese é que há uma relação
indissociável, pensamento / linguagem como abordam nos estudos de Vygotsky
(1987), Piaget (1973), Wallon (1995), Mialaret (1973) e outros teóricos do
desenvolvimento infantil, e de aprendizagem bem como os estudos da neurociência
como Damasceno (2004), Castiel (1992), Jensen (2002), Calvin (2006), Fialho
(2006), entre outros pontos.
Consideramos que o ensino da língua,
numa perspectiva do processo de conhecimento, implica em duas direções básicas:
a metodologia analítica, (que parte
do todo para as partes) texto / frase / palavra e a sintética que parte dos elementos para o todo (letra / sílaba).
Ambas as direções, seja analítica,
seja sintética, precisam chegar ao todo, com domínio e compreensão do texto, o
uso competente da língua como meio de comunicação entre os homens civilizados.
Por isso, é necessário que haja um
trabalho sistematizado que associe a formação do pensamento com a linguagem, de
acordo com as fases de desenvolvimento da criança, em bases psicopedagógicas
consistentes.
Assim, os avanços da neurociência
mostram o trabalho de alfabetização e de qualquer aprendizagem, precisa partir
do significado (função semântica)
para integrar as demais funções que se acham em áreas e locais diferentes do
cérebro, ou seja, a prosódica (pronúncia
das palavras): da sintática (relação
entre os termos); a gramática
(classificação e uso dos termos); a morfologia
e a etimologia, além da leitura escrita e ortografia.
Essa integração supõe, evidentemente,
a organização gradativa e integrada da linguagem oral, da leitura (e as
percepções) da escrita e da língua sempre
a partir da semântica do significado do que é lido, o que ativa as demais
funções.
O ensino de conceitos e de palavras deverá ser
realizado, pois, através de vivências, imagens, manipulações, etc. é essencial
para manter a atenção e garantir a aprendizagem, visto que, segundo o
neurocientista W. Penfield, as partes do corpo mais representadas no cérebro são as mãos, dedos, pés e boca.
Nesse sentido, não é a letra o
ponto de partida significativo de nossa língua – como ocorre nos três livros
didáticos selecionados, que privilegiam o trabalho com as letras, mesmo quando
usam palavras-chaves e textos. Do nosso ponto de vista, é o todo (palavra; frase ou texto os
elementos significativos no ensino da leitura): é a metodologia analítica,
portanto, a mais adequada, de acordo com as condições do aluno.
OBJETIVOS
- Contribuir para a discussão das bases psicopedagógicas do
livro didático de alfabetização.
- Apresentar análises de três livros didáticos utilizados nas
escolas públicas de MG:
·
AUGUSTO,
Marisley, Todas as Letras, Ed. Atual, SP, 2001.
·
Passos,
Luciana, M. Alegria do Saber, Scipione, SP, 2001.
·
Miranda,
Claudia. Alfabetização, Atica, SP, 2001.
METODOLOGIA
Foi
utilizada a análise qualitativa do material, sob o aspecto da seqüência metodológica
TODO / PARTES, da integração dos aspectos da língua, bem como o atendimento as
características psicopedagógicas do aluno e da língua, à luz do
sociointeracionismo, do construtivismo piagetiano e dos avanços da
neurociência
.
.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Apresentamos
abaixo os aspectos mais relevantes do ponto de vista do trabalho:
1.
Quanto à integração das funções da
linguagem e psicomotricidade
As cartilhas TODAS AS LETRAS e ALEGRIA DO
SABER partem das letras, apresentando concomitantemente todos os tipos de
escrita (imprensa e cursiva).
Na cartilha TODAS AS LETRAS são apresentadas nas páginas 16 e 17 todas as
combinações de correspondência som / letra sem preparação ou contextualização
das palavras escolhidas, mais pela família silábica, que pelo significado
para o aluno. Nas páginas 26 e 27, a história é trabalhada em função da palavra
“casa” e da letra “c”, não há exploração do texto.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta unidades e palavras chaves, mas trabalha só
as letras e as sílabas, sem nenhuma sistematização. Os textos e histórias são
lidos pelo professor e não há trabalho de linguagem oral, vivências para
compreensão e interpretação, em variadas situações de ativação das percepções
da memória ou dos automatismos básicos da língua portuguesa.
Na cartilha TODAS AS LETRAS, (p.64 – texto científico: Lobo Guará) é
apresentado sem nenhuma exploração, a não ser, pela sílaba GUA. O texto Saci
Pererê é um texto informativo, longo (4 parágrafos) sem trabalho algum com as
idéias, os conceitos ou os conhecimentos da criança, nem a linguagem oral,
leitura e interpretação. A autora trabalha apenas o som do “c”, “ss”, “s”, só na escrita sem discriminação auditiva e
visual. O mesmo ocorre nas demais regularidades da língua, aparecem no mesmo
exercício as palavras com sons iguais e letras diferentes: sossego, sereia, sebo, etc. (p. 134). Isto, sem dúvida, dificulta a leitura e a compreensão,
bem como o uso correto das palavras. Justifica-se, então, o ensaio e erro do
professor que não sabe sistematizar o trabalho, nem tem condições para
modificar o material (com criatividade) como o sistema educacional propõe e
espera.
A cartilha ALEGRIA DO SABER, em todas as lições, apresenta textos com sons,
sílabas e palavras repetidas, o que era condenado nos materiais ditos
tradicionais, sob o argumento de que eram pobres e artificiais. Assim, o texto
informativo, página 70, O FOGO, só
trabalha a letra F para ser
circulada e nada é desenvolvido em termos de compreensão das idéias,
interpretação ou relação com os conceitos implicados. Na página 36, a palavra
chave UNICÓRNIO (personagem
imaginário) e a palavra IÇÁ (tipo de
formiga), são apresentadas para trabalhar as vogais U e I, respectivamente.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta toda a escrita em maiúscula (letra bastão)
sem a configuração gestáutica que facilitaria a discriminação e o
reconhecimento das sílabas e das palavras. Em todas as lições ela apresenta
sílabas com exercícios repetitivos: caixa
de letras; jogos e treinos para separar e recompor sílabas e palavras (p.
16, 20, 27, 29,...). Em todas as cartilhas, há parlendas, poemas, músicas e
histórias que não são explorados nos aspectos de psicomotricidade de linguagem
oral, do lúdico ou das percepções do significado da configuração das palavras,
e, daí, a frase e o texto.
As unidades da cartilha não têm um
fio condutor, nem se relacionam com a vida da criança. Na unidade SOS saúde, apresenta fotos de legumes e
frutas com uma cozinha antiga e descontextualização (p. 143 a 146).
Como garantir a discriminação visual
e auditiva corretas, sem o uso da linguagem oral e escrita, com lógica e
pensamento expressos com clareza e coerência?
Do nosso ponto de vista, a criança
desfavorecida, que não tem acesso habitual a textos variados irá, provavelmente,
escrever como fala ou vai “inventar” palavras ou frases, decodificando a língua
com leituras fragmentadas e sem nexo. Não basta o domínio dos símbolos, mas a
sua significação, as habilidades para ler com compreensão, antecipação de
idéias, seqüencia lógica, as relações de casualidade, espaço, tempo, etc.,
essenciais na formação de conceitos num contexto motivador. É o que garantirá a
aprendizagem da língua e seu uso nos diversos conteúdos, como é direito da
criança e das pessoas semi-analfabetas e semi-cidadãos!
2.
Quanto aos aspectos psicolingüísticos
Todas as cartilhas não apresentam
dosagem alguma, caso do trabalho com sons onde não há correspondência biunívoca
fonema / grafema.
A cartilha TODAS AS LETRAS trabalha todos os sons do x numa única lição (p. 188); sons
do c / ç / sc numa história longa (p. 132-133) e sem nenhum trabalho de percepção, de compreensão, nem discriminação
auditiva, visual , essenciais para evitar confusão e troca de letras que
aparecem nas séries seguintes.
Isto ocorre também no estudo de todos
os dígrafos (p. 183-187) o “x” com som
de “z”. Nesta cartilha são trabalhadas as letras e as famílias silábicas de
uma só vez, começando com a família do hipopótamo
(p. 52) e da hiena, com “h” mudo e ainda o encontro vocálico hei e as combinações
ha, he, hi, ho, hu.
A cartilha ALEGRIA DO SABER apresenta o x
com som de z, numa leitura sem beleza e sem sentido e palavras caranguejo (p. 151), cravo (p. 143) e arara (p. 105), com combinações esdrúxulas (ara, era, ora, ari,
ura) e famílias silábicas com dificuldades ortográficas (som igual; escrita
diferente), sem trabalho algum de discriminação identificação ou reconhecimento
em palavras significativas. Como aplicar regras, por exemplo, do m antes
do p e b, se a criança aprende
concomitantemente as combinações am,
om, im ou ainda on, un, etc., como se ela generalizasse por
conta própria o uso correto do m ou
do n. Todas as variações consoantes
/ vogais com encontros vocálicos (lhe,
lhi, lho, lhu e lhei) p. 159 ou dígrafos gl, bl, al, etc. em textos
pobres. Embora essa e as demais cartilhas se afirmem “construtivistas”, todas
só pedem escrita ou identificação de letras ou sílabas, como se isto garantisse
a formação de palavras e frases com compreensão e lógica. São apenas jogos de
palavras, exercícios de circular letras, memorizá-las, etc.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta o material em unidades; há lições para
desenvolver hábitos de leitura “para
gostar de ler” e “hora de leitura”
(94, 110, 119, 120), mas não há linguagem oral ou silenciosa e atividades de
compreensão e de seqüência lógica ou imaginação.
Como estimular o gosto pela leitura
com atividades sem significação mal exploradas, sem sistematização necessária à
fixação e uso fluente da língua padrão com autonomia?
CONCLUSÃO
A partir de
um trabalho experimental de apenas 3 livros didáticos, nos é possível levantar
questões fundamentais a respeito de medidas para superar os desafios colocados
pelo fracasso escolar nas séries iniciais:
- Investir em pesquisas e estudos sobre materiais que
favoreçam as relações de linguagem / pensamento, utilizando a metodologia que
enfatiza a direção todo / parte / todo, de modo sistematizado e vivencial de
acordo com as estruturas a da linguagem e as fases de desenvolvimento do aluno.
- Incentivar ações de REALFABETIZAÇÃO em integração com os
conteúdos curriculares, uso da biblioteca e todas as atitudes e hábitos de
leitura.
- Capacitar e formar professores alfabetizadores para a utilização
consciente e sistematizada de uma metodologia de alfabetização, compreendendo
todas as fases do método.
Utilizar uma
metodologia jamais será camisa de força, se organizada e avaliada se acordo com
os princípios do desenvolvimento infantil e a estrutura de língua. Isto implica
evitar a mecanização de materiais tradicionais, mas também a aleatoriedade dos
materiais que circulam nas escolas e que são aprovados pelo MEC, com a chancela
do CEALE (Centro de Estudos de Alfabetização Leitura e Escrita) da UFMG, que
envia as orientações para a escola.
Com esta análise, pretendo colaborar
nesta discussão e lamento que, tendo enviado este relatório ao MEC e aos órgãos
educacionais do Estado e região, não obtive resposta. A não ser da Secretaria
de Educação de Estado de Minas Gerais, que coloca nas mãos do professor as
mudanças do Livro Didático. Ora, o material “Orientação para a organização do
Ciclo Final de Alfabetização” distribuído pelo governo de Minas Gerais em 2005,
avalia sobretudo a escrita; a correspondência grafema / fonema; letras,
ditado ou circuladas, assim como todos os materiais didáticos enviados. Será
que é assim que se pretende desenvolver as competências necessárias ao uso da
língua com lógica, autonomia e beleza?
Na nossa experiência de estudo,
aplicação e avaliação dos mais de 55 materiais de alfabetização que eram
utilizados na década de 90, pude constatar que: os materiais sintéticos, com letras e sílabas são os mesmos eficazes.
O aluno tem dificuldade de fazer a leitura fluente, pois primeiro junta letras
e sílabas, para depois organizar as palavras numa estrutura lógica. Os
materiais sintéticos dificultam a integração dos aspectos da aquisição da
língua – linguagem oral, leitura, escrita, prosódia, semântica, sintaxe e
gramática. Muitos são eficientes para uma escrita bem feita, mas são demorados
e não são interessantes. Entretanto, as antigas cartilhas ainda sistematizavam
a língua nas sílabas e frases repetidas. De acordo com os estudos a respeito do
caráter holístico da aprendizagem, isto impede o desenvolvimento do pensamento sistêmico, cuja base
é o estabelecimento progressivo das relações lógicas da língua, para expressar
corretamente os conceitos com beleza e propriedade.
Por outro lado, os materiais
analíticos, mesmo mal usados (por falta de estudo e capacitação), são os mais
competentes para ensinar a ler, pois a criança, todos os dias, vai conhecer palavras
e expressões significativas da língua, vai aprender a utilizá-las em
situações da vida e, aos poucos, generalizar a formação das palavras e das
frases e dos textos integrando fala; leitura; escrita; sintaxe e gramática,
sempre a partir da semântica.
Assim, os materiais de linha
analítica (trabalha do todo para as partes) mostraram melhores resultados, pois
utilizam a imagem, a história, a imaginação para ler e compreender textos,
frases, palavras sílabas e formalmente as letras.
Finalmente se, a neurociência tem
mostrado que ficam em áreas diferentes do cérebro a linguagem oral, leitura,
escrita a semântica, sintaxe e gramática, é preciso integrá-las por
estimulação regular e habitual, estabelecendo as relações básicas para a
aprendizagem da língua e, conseqüentemente, de todas as demais informações. Por
isso, só o aluno bem alfabetizado poderá aprender outros conteúdos com
eficiência.
E quem poderá fazê-lo com
competência, a não ser o professor alfabetizador, que utilize uma
metodologia que integre tais relações através de estímulos visuais, sonoros,
psicomotores, através da música, a poesia e as histórias para ensinar a nossa
bela língua?
Não adiantam as bibliotecas (que
também faltam), nem os livros bonitos, ou os programas, campanhas e outros
“paliativos” para produzir um leitor competente. A evasão e o fracasso vão
continuar, além das seqüelas óbvias- os analfabetos funcionais.
Organização: Maria de Lourdes Fioravante
COMO A CRIANÇA APRENDE A LER?
Segundo
SILVA (1981), a linguística
tem-nos apontado o ler e o escrever como reflexos do ouvir e do falar: o
processo de simbolização da linguagem começa mesmo antes do nascimento da
criança e se prolonga pela vida a fora. Ora, pesquisas da neurociência
comprovam que a criança ouve no útero desde os 3 meses. Nos primeiros anos de
vida, no contato com o mundo que o cerca, o bebê tem experiências diretas,
(ouve, toca, sente, vê as coisas, pessoas e fatos) e, ao mesmo tempo, ouve as
estruturas linguísticas. Após este primeiro estágio de experiência concreta e
audição, quando adquire um vocabulário auditivo dentro de estruturas
significativas, a criança começa a falar por volta 18 meses.
O
ouvir e o falar,
portanto, processam-se na Educação Infantil, no seio da família e nas creches.
Ambos constituem o primeiro e o segundo nível do processo de simbolização e são
aprendidos principalmente com a família, que influencia positiva ou
negativamente no seu desenvolvimento. Na escola, a criança vai ampliar seu
poder de comunicação pela prática e aperfeiçoamento do ouvir e do
falar, essenciais na aprendizagem do ler e do escrever. Nesse sentido, no
livro “Método de Experiências criadoras” diz Ieda Dias da Silva (1981, p.259).
“Crianças
cercadas de estímulos multissensoriais terão possibilidades de maior
desenvolvimento do sistema nervoso central. Crianças cercadas
de atenção e carinho terão provavelmente, maior estabilidade
emocional. Crianças cujos pais têm tempo de com eles trocar ideias, de passear
e viajar, de estimular-lhes o pensamento com perguntas e respostas, terão
possivelmente, maior facilidade de expressão pela riqueza de ideias e de
vocabulário”.
Assim o ouvir e o falar são suportes importantes da leitura: um desenvolvimento precário destes alicerces comprometerá seriamente a leitura. E qual seria o papel da escola neste processo? Proporcionar sistematizadamente atividades de linguagem oral em que a criança poderá ouvir e falar, nas estórias, conversas, jogos, brinquedos, música de modo a assimilar ludicamente as estruturas da língua sempre com clareza e coerência. É na interação social que as crianças são inseridas na linguagem, partilhando significados e sendo significadas pelo outro: eis o que favorece o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e das relações sociais cada vez mais amplas.
À
medida que a criança vai progredindo em seu desempenho linguístico e vai
distinguindo aspectos da língua oral e escrita, começa a adquirir conhecimentos
necessários e indispensáveis ao domínio da língua, chegando à linguagem
socializada que, segundo Piaget é aquela que permite a comunicação efetiva dos
membros de uma mesma cultura.
A
linguagem é de tal importância que Vygotsky, citado por REGO (1995), comenta as relações entre
pensamento e linguagem; ou seja, a importância da fala na
estruturação do pensamento: “com o auxilio da função indicativa das palavras, a
criança começa a dominar sua atenção, criando centros estruturais novos, dentro
da situação percebida”(VYGOTSKY, 1998, p.47). As funções cognitivas
comunicativas da linguagem tornam-se então, uma forma nova e superior de
atividade, distinguindo-se dos animais.
Para
VYGOTSKY (2004) e também
para PIAGET (1976), a função
primordial da fala é o contato social e a comunicação. Sendo, assim, a
linguagem expressa o pensamento e este é determinado por aquela. Para ele, o
pensamento verbal não é uma forma de comportamento: os conceitos são
construções culturais, bem como o universo de significados que ordenam o real
em categorias (Apud, Oliveira, p.44).
Então
o mundo é visto como um mundo com sentido e significado que, com a fala ,vai se
estruturando temporalmente e o campo perceptivo da criança se amplia,
projetando para o futuro e o passado o que cria condições efetivas para
formação dos conceitos de tempo e os processos de planejamento e avaliação. Eis
porque as atividades de linguagem oral devem preceder e acompanhar todo o
processo de alfabetização, como práticas diárias de organização e expressão de
pensamento: “as relações entre pensamento e linguagem são determinados pelo
significado da palavra, o que ultrapassa o seu som ou mesmo o seu sentido”, (VYGOTSKY,1998, p.63).
A leitura é
o terceiro nível do processo de simbolização, quando a criança faz
associação do símbolo oral com o escrito e o interpreta. Já a linguagem escrita é
quarto nível, quando a criança é capaz de usar os símbolos escritos para
transmitir as suas ideias. Conforme SILVA, p.12: “De um
comportamento linguístico espontâneo, automático e rápido, ela passa, aos
poucos para um comportamento mais controlado, intencional e deliberado. Ela
começa a pensar sobre a língua, principalmente quando o seu registro é pela
escrita.
Há,
portanto uma progressão de capacidades que devem ser desenvolvidas e integradas
entre si: o ouvir e o falar e o ler sempre precedem o escrever na
alfabetização, pois que a escrita exige habilidades psicomotoras dos dedos e,
ao mesmo tempo, a imobilidade do corpo. O ensino da leitura jamais poderá ser,
portanto, um processo aleatório, conduzido por atividades fragmentadas de
leitura e escrita sem um trabalho psicomotor sistematizado e sem a integração
entre o que a criança ouve, fala e escreve. Então a escrita implica no
amadurecimento harmonioso das condições neurobiológicas básicas. Isto é
confirmado pela neurociência, segundo a qual a aquisição da linguagem e do
pensamento lógico se estabelece dialeticamente por processos que
evoluem pela integração de funções e habilidades de linguagem que ficam em
áreas diferentes do cérebro (DAMASCENO, 2007; VERRSTICHEEl,2008, DAMASIO, 2007 e outros). Assim, ficam em
regiões diferentes, a prosódia das palavras; a compreensão das
mesmas; a decodificação pelo reconhecimento das letras;
a escrita, a morfologia e a sintática
(organização das frases).
Além
disso, as descobertas revelaram que essas e outras funções se integram de
acordo com a função semântica, ou seja, o significado do que é
percebido, dito, lido ou escrito. Assim, os estímulos chegam até
nós, provocam uma sensação que possibilita a percepção e a discriminação.
Primeiro sentimos, através dos sentidos- audição, tato, visão, olfato, paladar.
Realizamos, depois, uma mediação entre o sentir e o pensar e, por fim,
discriminamos.
Reconhecendo
as diferenças e semelhanças entre os estímulos e as percepções. Daí, formamos
os conceitos a respeito das coisas, das pessoas e do mundo: quanto mais
significativo for o estimulo, mais a criança poderá compreender as suas
características, verbalizá-las, e mais aumentará o vocabulário e construirá os
conceitos utilizados na comunicação cotidiana: “é no significado da palavra que
o pensamento e fala se unem”(VYGOTSKY,1998, p.05),
pois (a palavra) não se refere a um objeto isolado, mas a uma classe de
objetos.
Daí,
cada palavra é uma generalização. Por isso o ensino da língua precisa ser
motivador, sistemático com atividades interessantes e integradoras, para a
formação do pensamento lógico. Além do mais falar e escrever são
dois fenômenos que exigem comportamentos diferentes de recepção e de emissão
para que haja comunicação. É preciso ouvir para decifrar a linguagem escrita.
Na recepção trabalham principalmente os ouvidos e olhos e os nervos sensitivos.
Já a emissão abrange basicamente a área motora do cérebro, a área de Broca e
nervos motores, pois a fala representa sempre algo que se faz ou que se quer
mostrar. A recepção envolverá sobretudo áreas auditivas, visual, de
Wernicke e nervos sensitivos, para que haja compreensão, na comunicação.
Só
haverá reconhecimento adequado dos sons e das palavras, se o cérebro estiver
atento e, se suas áreas estiverem devidamente articuladas e organizadas
logicamente. A compreensão de palavras ou frases depende não apenas de quem
ouve, mas também de quem fala ou escreve. Por outro lado, o ato de ler inclui
fenômenos motores específicos, como o movimento da cabeça e dos olhos. Os
movimentos oculares realizados durante a leitura conhecidos como abalos ocorrem
principalmente da esquerda para direita (leitura horizontal). Os abalos da
direita para a esquerda permitem reler palavras ou frases como acontece na
leitura de textos difíceis. Finalmente, ouvir, falar, ler
e escrever constituem o histórico e mágico desenvolvimento da raça
humana, ou seja, o processo de humanização, único na nossa galáxia, até o
momento. Cabe à escola e ao alfabetizador tornar as gerações competentes para
falar, ler e expressar com beleza, compreensão e criatividade. Isto exige uma
organização metodológica e um trabalho pedagógico que só se realizam pela ação
regular e sistemática da escola. Eis o grande desafio e mérito do alfabetizador!
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