METODOLOGIA DA LEITURA





Análise do Livro Didático de Alfabetização

Uma Abordagem Epistemológica
                 
Nota do autor: Desde os anos ’80 ,tenho realizado estudos, produzido material e acompanhado o ensino da leitura, seja como professor do Curso Normal – nível médio- seja como coordenador da equipe pedagógica da 24ª SRE - Nova Era –MG. Realizei,  então, a pesquisa de campo – “Trabalho Coletivo em Educação : Alfabetização – Carência ou Possibilidade? – Dissertação de Mestrado na  Fundação Getúlio Vargas – RJ.                                                                                                                                                    O presente trabalho foi apresentado em 2004, no 2º Seminário de Educação, na UNIPAC –Raul Soares, onde coordenei o Curso Normal Superior. E, em 2008,  no Curso de Especialização em Psicopedagogia e Educação Infantil( UNIPAC) – Mariana -MG , na expectativa de contribuir na formação psicopedagógica dos educadores. Aqui no Blog, as análises dos livros didáticos  as idéias e conceitos  pretendem subsidiar as discussões sobre  a” desmetodização” do ensino da leitura e suas conseqüências na alfabetização competente das novas gerações. Entrem no debate!

 INTRODUÇÃO
A questão da alfabetização e da reprovação escolar nas séries iniciais continua sendo um problema no país, em que pese à quase universalização do ensino e oferta de incentivos à freqüência escolar pelos programas dos governos, tanto federal quanto estadual.
Entretanto, ainda persistem nas sérias iniciais, os índices de reprovação e, aumenta, nas diversas séries do Ensino Fundamental, o número de alunos que “lêem, mas não entendem” ou “não sabem escrever um pequeno texto”, conforme resultados da Prova Brasil, artigos e publicações de revistas e jornais do país.
Sem pretender discutir as propostas de alfabetização existentes, como o “Ciclo Básico”, Programa do Livro Paradidático, de bibliotecas, ou as “Campanhas de Alfabetização”, nosso foco é o livro didático de alfabetização, considerando que ele é distribuído “gratuitamente” a todas as escolas do país e que, em muitas delas, constitui o único meio de ensinar a língua culta à população.
Desde a referida dissertação do mestrado – em 1983 – constatamos que:
- É o professor sozinho que utiliza o livro didático muitas vezes sem conhecê-lo e sem discussões sobre a melhor maneira de fazê-lo.
- Não há pesquisas nas universidades ou nos órgãos públicos a respeito dos melhores meios de ensinar a ler com competência – apenas a programações cada vez mais sofisticadas de avaliação sistêmica e os PCNs não abordam a questão.
- É necessária uma abordagem epistemológica que entenda o livro didático, dentro do processo de conhecimento, à luz da Psicologia Cognitiva e das descobertas das neurociências
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REFERENCIAL TEÓRICO

Nossa hipótese é que há uma relação indissociável, pensamento / linguagem como abordam nos estudos de Vygotsky (1987), Piaget (1973), Wallon (1995), Mialaret (1973) e outros teóricos do desenvolvimento infantil, e de aprendizagem bem como os estudos da neurociência como Damasceno (2004), Castiel (1992), Jensen (2002), Calvin (2006), Fialho (2006), entre outros pontos.
Consideramos que o ensino da língua, numa perspectiva do processo de conhecimento, implica em duas direções básicas: a metodologia analítica, (que parte do todo para as partes) texto / frase / palavra e a sintética que parte dos elementos para o todo (letra / sílaba).
Ambas as direções, seja analítica, seja sintética, precisam chegar ao todo, com domínio e compreensão do texto, o uso competente da língua como meio de comunicação entre os homens civilizados.
Por isso, é necessário que haja um trabalho sistematizado que associe a formação do pensamento com a linguagem, de acordo com as fases de desenvolvimento da criança, em bases psicopedagógicas consistentes.
Assim, os avanços da neurociência mostram o trabalho de alfabetização e de qualquer aprendizagem, precisa partir do significado (função semântica) para integrar as demais funções que se acham em áreas e locais diferentes do cérebro, ou seja, a prosódica (pronúncia das palavras): da sintática (relação entre os termos); a gramática (classificação e uso dos termos); a morfologia e a etimologia, além da leitura escrita e ortografia.
Essa integração supõe, evidentemente, a organização gradativa e integrada da linguagem oral, da leitura (e as percepções) da escrita e da língua sempre a partir da semântica do significado do que é lido, o que ativa as demais funções.
 O ensino de conceitos e de palavras deverá ser realizado, pois, através de vivências, imagens, manipulações, etc. é essencial para manter a atenção e garantir a aprendizagem, visto que, segundo o neurocientista W. Penfield, as partes do corpo mais representadas no cérebro são as mãos, dedos, pés e boca.
Nesse sentido, não é a letra o ponto de partida significativo de nossa língua – como ocorre nos três livros didáticos selecionados, que privilegiam o trabalho com as letras, mesmo quando usam palavras-chaves e textos. Do nosso ponto de vista, é o todo (palavra; frase ou texto os elementos significativos no ensino da leitura): é a metodologia analítica, portanto, a mais adequada, de acordo com as condições do aluno.

OBJETIVOS

- Contribuir para a discussão das bases psicopedagógicas do livro didático de alfabetização.
- Apresentar análises de três livros didáticos utilizados nas escolas públicas de MG:
·         AUGUSTO, Marisley, Todas as Letras, Ed. Atual, SP, 2001.
·         Passos, Luciana, M. Alegria do Saber, Scipione, SP, 2001.
·         Miranda, Claudia. Alfabetização, Atica, SP, 2001.

METODOLOGIA

            Foi utilizada a análise qualitativa do material, sob o aspecto da seqüência metodológica TODO / PARTES, da integração dos aspectos da língua, bem como o atendimento as características psicopedagógicas do aluno e da língua, à luz do sociointeracionismo, do construtivismo piagetiano e dos avanços da neurociência
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ANÁLISE DOS RESULTADOS

            Apresentamos abaixo os aspectos mais relevantes do ponto de vista do trabalho:
1.      Quanto à integração das funções da linguagem e psicomotricidade
As cartilhas TODAS AS LETRAS e ALEGRIA DO SABER partem das letras, apresentando concomitantemente todos os tipos de escrita (imprensa e cursiva).
            Na cartilha TODAS AS LETRAS são apresentadas nas páginas 16 e 17 todas as combinações de correspondência som / letra sem preparação ou contextualização das palavras escolhidas, mais pela família silábica, que pelo significado para o aluno. Nas páginas 26 e 27, a história é trabalhada em função da palavra “casa” e da letra “c”, não há exploração do texto.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta unidades e palavras chaves, mas trabalha só as letras e as sílabas, sem nenhuma sistematização. Os textos e histórias são lidos pelo professor e não há trabalho de linguagem oral, vivências para compreensão e interpretação, em variadas situações de ativação das percepções da memória ou dos automatismos básicos da língua portuguesa.
Na cartilha TODAS AS LETRAS, (p.64 – texto científico: Lobo Guará) é apresentado sem nenhuma exploração, a não ser, pela sílaba GUA. O texto Saci Pererê é um texto informativo, longo (4 parágrafos) sem trabalho algum com as idéias, os conceitos ou os conhecimentos da criança, nem a linguagem oral, leitura e interpretação. A autora trabalha apenas o som do “c”, “ss”, “s”, só na escrita sem discriminação auditiva e visual. O mesmo ocorre nas demais regularidades da língua, aparecem no mesmo exercício as palavras com sons iguais e letras diferentes: sossego, sereia, sebo, etc. (p. 134). Isto, sem dúvida, dificulta a leitura e a compreensão, bem como o uso correto das palavras. Justifica-se, então, o ensaio e erro do professor que não sabe sistematizar o trabalho, nem tem condições para modificar o material (com criatividade) como o sistema educacional propõe e espera.
A cartilha ALEGRIA DO SABER, em todas as lições, apresenta textos com sons, sílabas e palavras repetidas, o que era condenado nos materiais ditos tradicionais, sob o argumento de que eram pobres e artificiais. Assim, o texto informativo, página 70, O FOGO, só trabalha a letra F para ser circulada e nada é desenvolvido em termos de compreensão das idéias, interpretação ou relação com os conceitos implicados. Na página 36, a palavra chave UNICÓRNIO (personagem imaginário) e a palavra IÇÁ (tipo de formiga), são apresentadas para trabalhar as vogais U e I, respectivamente.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta toda a escrita em maiúscula (letra bastão) sem a configuração gestáutica que facilitaria a discriminação e o reconhecimento das sílabas e das palavras. Em todas as lições ela apresenta sílabas com exercícios repetitivos: caixa de letras; jogos e treinos para separar e recompor sílabas e palavras (p. 16, 20, 27, 29,...). Em todas as cartilhas, há parlendas, poemas, músicas e histórias que não são explorados nos aspectos de psicomotricidade de linguagem oral, do lúdico ou das percepções do significado da configuração das palavras, e, daí, a frase e o texto.
As unidades da cartilha não têm um fio condutor, nem se relacionam com a vida da criança. Na unidade SOS saúde, apresenta fotos de legumes e frutas com uma cozinha antiga e descontextualização (p. 143 a 146).
Como garantir a discriminação visual e auditiva corretas, sem o uso da linguagem oral e escrita, com lógica e pensamento expressos com clareza e coerência?
 Do nosso ponto de vista, a criança desfavorecida, que não tem acesso habitual a textos variados irá, provavelmente, escrever como fala ou vai “inventar” palavras ou frases, decodificando a língua com leituras fragmentadas e sem nexo. Não basta o domínio dos símbolos, mas a sua significação, as habilidades para ler com compreensão, antecipação de idéias, seqüencia lógica, as relações de casualidade, espaço, tempo, etc., essenciais na formação de conceitos num contexto motivador. É o que garantirá a aprendizagem da língua e seu uso nos diversos conteúdos, como é direito da criança e das pessoas semi-analfabetas e semi-cidadãos!
2.      Quanto aos aspectos psicolingüísticos
Todas as cartilhas não apresentam dosagem alguma, caso do trabalho com sons onde não há correspondência biunívoca fonema / grafema.
A cartilha TODAS AS LETRAS trabalha todos os sons do x numa única lição (p. 188); sons do c / ç / sc numa história longa (p. 132-133) e sem nenhum trabalho de percepção, de compreensão, nem discriminação auditiva, visual , essenciais para evitar confusão e troca de letras que aparecem nas séries seguintes.
Isto ocorre também no estudo de todos os dígrafos (p. 183-187) o “x” com som de “z”. Nesta cartilha são trabalhadas as letras e as famílias silábicas de uma só vez, começando com a família do hipopótamo (p. 52) e da hiena, com “h” mudo e ainda o encontro vocálico hei e as combinações ha, he, hi, ho, hu.
A cartilha ALEGRIA DO SABER apresenta o x com som de z, numa leitura sem beleza e sem sentido e palavras caranguejo (p. 151), cravo (p. 143) e arara (p. 105), com combinações esdrúxulas (ara, era, ora, ari, ura) e famílias silábicas com dificuldades ortográficas (som igual; escrita diferente), sem trabalho algum de discriminação identificação ou reconhecimento em palavras significativas. Como aplicar regras, por exemplo, do m antes do p e b, se a criança aprende concomitantemente as combinações am, om, im ou ainda on, un, etc., como se ela generalizasse por conta própria o uso correto do m ou do n. Todas as variações consoantes / vogais com encontros vocálicos (lhe, lhi, lho, lhu e lhei) p. 159 ou dígrafos gl, bl, al, etc. em textos pobres. Embora essa e as demais cartilhas se afirmem “construtivistas”, todas só pedem escrita ou identificação de letras ou sílabas, como se isto garantisse a formação de palavras e frases com compreensão e lógica. São apenas jogos de palavras, exercícios de circular letras, memorizá-las, etc.
A cartilha ALFABETIZAÇÃO apresenta o material em unidades; há lições para desenvolver hábitos de leitura “para gostar de ler” e “hora de leitura” (94, 110, 119, 120), mas não há linguagem oral ou silenciosa e atividades de compreensão e de seqüência lógica ou imaginação.
Como estimular o gosto pela leitura com atividades sem significação mal exploradas, sem sistematização necessária à fixação e uso fluente da língua padrão com autonomia?

CONCLUSÃO
            A partir de um trabalho experimental de apenas 3 livros didáticos, nos é possível levantar questões fundamentais a respeito de medidas para superar os desafios colocados pelo fracasso escolar nas séries iniciais:
- Investir em pesquisas e estudos sobre materiais que favoreçam as relações de linguagem / pensamento, utilizando a metodologia que enfatiza a direção todo / parte / todo, de modo sistematizado e vivencial de acordo com as estruturas a da linguagem e as fases de desenvolvimento do aluno.
- Incentivar ações de REALFABETIZAÇÃO em integração com os conteúdos curriculares, uso da biblioteca e todas as atitudes e hábitos de leitura.
- Capacitar e formar professores alfabetizadores para a utilização consciente e sistematizada de uma metodologia de alfabetização, compreendendo todas as fases do método.
            Utilizar uma metodologia jamais será camisa de força, se organizada e avaliada se acordo com os princípios do desenvolvimento infantil e a estrutura de língua. Isto implica evitar a mecanização de materiais tradicionais, mas também a aleatoriedade dos materiais que circulam nas escolas e que são aprovados pelo MEC, com a chancela do CEALE (Centro de Estudos de Alfabetização Leitura e Escrita) da UFMG, que envia as orientações para a escola.
Com esta análise, pretendo colaborar nesta discussão e lamento que, tendo enviado este relatório ao MEC e aos órgãos educacionais do Estado e região, não obtive resposta. A não ser da Secretaria de Educação de Estado de Minas Gerais, que coloca nas mãos do professor as mudanças do Livro Didático. Ora, o material “Orientação para a organização do Ciclo Final de Alfabetização” distribuído pelo governo de Minas Gerais em 2005, avalia sobretudo a escrita; a correspondência grafema / fonema; letras, ditado ou circuladas, assim como todos os materiais didáticos enviados. Será que é assim que se pretende desenvolver as competências necessárias ao uso da língua com lógica, autonomia e beleza?
Na nossa experiência de estudo, aplicação e avaliação dos mais de 55 materiais de alfabetização que eram utilizados na década de 90, pude constatar que: os materiais sintéticos, com letras e sílabas são os mesmos eficazes. O aluno tem dificuldade de fazer a leitura fluente, pois primeiro junta letras e sílabas, para depois organizar as palavras numa estrutura lógica. Os materiais sintéticos dificultam a integração dos aspectos da aquisição da língua – linguagem oral, leitura, escrita, prosódia, semântica, sintaxe e gramática. Muitos são eficientes para uma escrita bem feita, mas são demorados e não são interessantes. Entretanto, as antigas cartilhas ainda sistematizavam a língua nas sílabas e frases repetidas. De acordo com os estudos a respeito do caráter holístico da aprendizagem, isto impede o desenvolvimento do pensamento sistêmico, cuja base é o estabelecimento progressivo das relações lógicas da língua, para expressar corretamente os conceitos com beleza e propriedade.
Por outro lado, os materiais analíticos, mesmo mal usados (por falta de estudo e capacitação), são os mais competentes para ensinar a ler, pois a criança, todos os dias, vai conhecer palavras e expressões significativas da língua, vai aprender a utilizá-las em situações da vida e, aos poucos, generalizar a formação das palavras e das frases e dos textos integrando fala; leitura; escrita; sintaxe e gramática, sempre a partir da semântica.
Assim, os materiais de linha analítica (trabalha do todo para as partes) mostraram melhores resultados, pois utilizam a imagem, a história, a imaginação para ler e compreender textos, frases, palavras sílabas e formalmente as letras.
Finalmente se, a neurociência tem mostrado que ficam em áreas diferentes do cérebro a linguagem oral, leitura, escrita a semântica, sintaxe e gramática, é preciso integrá-las por estimulação regular e habitual, estabelecendo as relações básicas para a aprendizagem da língua e, conseqüentemente, de todas as demais informações. Por isso, só o aluno bem alfabetizado poderá aprender outros conteúdos com eficiência.
E quem poderá fazê-lo com competência, a não ser o professor alfabetizador, que utilize uma metodologia que integre tais relações através de estímulos visuais, sonoros, psicomotores, através da música, a poesia e as histórias para ensinar a nossa bela língua?
Não adiantam as bibliotecas (que também faltam), nem os livros bonitos, ou os programas, campanhas e outros “paliativos” para produzir um leitor competente. A evasão e o fracasso vão continuar, além das seqüelas óbvias- os analfabetos funcionais.

                                                                        Organização: Maria de Lourdes Fioravante


COMO  A CRIANÇA APRENDE A LER?

 
Segundo SILVA (1981), a linguística tem-nos apontado o ler e o escrever como reflexos do ouvir e do falar: o processo de simbolização da linguagem começa mesmo antes do nascimento da criança e se prolonga pela vida a fora. Ora, pesquisas da neurociência comprovam que a criança ouve no útero desde os 3 meses. Nos primeiros anos de vida, no contato com o mundo que o cerca, o bebê tem experiências diretas, (ouve, toca, sente, vê as coisas, pessoas e fatos) e, ao mesmo tempo, ouve as estruturas linguísticas. Após este primeiro estágio de experiência concreta e audição, quando adquire um vocabulário auditivo dentro de estruturas significativas, a criança começa a falar por volta 18 meses.

O ouvir e o falar, portanto, processam-se na Educação Infantil, no seio da família e nas creches. Ambos constituem o primeiro e o segundo nível do processo de simbolização e são aprendidos principalmente com a família, que influencia positiva ou negativamente no seu desenvolvimento. Na escola, a criança vai ampliar seu poder de comunicação pela prática e  aperfeiçoamento do ouvir e do falar, essenciais na aprendizagem do ler e do escrever. Nesse sentido, no livro “Método de Experiências criadoras” diz Ieda Dias da Silva (1981, p.259).
“Crianças cercadas de estímulos multissensoriais terão possibilidades de maior desenvolvimento do sistema nervoso central. Crianças cercadas de  atenção e carinho terão provavelmente, maior estabilidade emocional. Crianças cujos pais têm tempo de com eles trocar ideias, de passear e viajar, de estimular-lhes o pensamento com perguntas e respostas, terão possivelmente, maior facilidade de expressão pela riqueza de ideias e de vocabulário”.


Assim o ouvir e o falar são suportes importantes da leitura: um desenvolvimento precário destes alicerces comprometerá seriamente a leitura. E qual seria o papel da escola neste processo? Proporcionar sistematizadamente atividades de linguagem oral em que a criança poderá ouvir e falar, nas estórias, conversas, jogos, brinquedos, música de modo a assimilar ludicamente as estruturas da língua sempre com clareza e coerência. É na interação social que as crianças são inseridas na linguagem, partilhando significados e sendo significadas pelo outro: eis o que favorece o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e das relações sociais cada vez mais amplas.

À medida que a criança vai progredindo em seu desempenho linguístico e vai distinguindo aspectos da língua oral e escrita, começa a adquirir conhecimentos necessários e indispensáveis ao domínio da língua, chegando à linguagem socializada que, segundo Piaget é aquela que permite a comunicação efetiva dos membros de uma mesma cultura.
A linguagem é de tal importância que Vygotsky, citado por REGO (1995), comenta as relações  entre pensamento e linguagem; ou seja,  a importância da fala na estruturação do pensamento: “com o auxilio da função indicativa das palavras, a criança começa a dominar sua atenção, criando centros estruturais novos, dentro da situação percebida”(VYGOTSKY, 1998, p.47). As funções cognitivas comunicativas da linguagem tornam-se então, uma forma nova e superior de atividade, distinguindo-se dos animais.

Para VYGOTSKY (2004) e também para PIAGET (1976), a função primordial da fala é o contato social e a comunicação. Sendo, assim, a linguagem expressa o pensamento e este é determinado por aquela. Para ele, o pensamento verbal não é uma forma de comportamento: os conceitos são construções culturais, bem como o universo de significados que ordenam o real em categorias (Apud, Oliveira, p.44).

Então o mundo é visto como um mundo com sentido e significado que, com a fala ,vai se estruturando temporalmente e o campo perceptivo da criança se amplia, projetando para o futuro e o passado o que cria condições efetivas para formação dos conceitos de tempo e os processos de planejamento e avaliação. Eis porque as atividades de linguagem oral devem preceder e acompanhar todo o processo de alfabetização, como práticas diárias de organização e expressão de pensamento: “as relações entre pensamento e linguagem são determinados pelo significado da palavra, o que ultrapassa o seu som ou mesmo o seu sentido”, (VYGOTSKY,1998,  p.63).
leitura é o terceiro nível do processo de simbolização, quando a criança faz associação do símbolo oral com o escrito e o interpreta. Já a linguagem escrita é quarto nível, quando a criança é capaz de usar os símbolos escritos para transmitir as suas ideias. Conforme SILVA, p.12: “De um comportamento linguístico espontâneo, automático e rápido, ela passa, aos poucos para um comportamento mais controlado, intencional e deliberado. Ela começa a pensar sobre a língua, principalmente quando o seu registro é pela escrita.
Há, portanto uma progressão de capacidades que devem ser desenvolvidas e integradas entre si: o ouvir e o falar e o ler sempre precedem o escrever na alfabetização, pois que a escrita exige habilidades psicomotoras dos dedos e, ao mesmo tempo, a imobilidade do corpo. O ensino da leitura jamais poderá ser, portanto, um processo aleatório, conduzido por atividades fragmentadas de leitura e escrita sem um trabalho psicomotor sistematizado e sem a integração entre o que a criança ouve, fala e escreve. Então a escrita implica no amadurecimento harmonioso das condições neurobiológicas básicas. Isto é confirmado pela neurociência, segundo a qual a aquisição da linguagem e do pensamento lógico se estabelece dialeticamente por  processos que evoluem pela integração de funções e habilidades de linguagem que ficam em áreas diferentes do cérebro (DAMASCENO, 2007; VERRSTICHEEl,2008, DAMASIO, 2007 e outros). Assim, ficam em regiões diferentes, a prosódia das palavras; a compreensão das mesmas; a decodificação pelo reconhecimento das letras; a escrita, morfologia e a sintática (organização das frases)

Além disso, as descobertas revelaram que essas e outras funções se integram de acordo com a função semântica, ou seja, o significado do que é percebido, dito, lido ou escrito.  Assim, os estímulos chegam até nós, provocam uma sensação que possibilita a percepção e a discriminação. Primeiro sentimos, através dos sentidos- audição, tato, visão, olfato, paladar. Realizamos, depois, uma mediação entre o sentir e o pensar e, por fim, discriminamos.  

Reconhecendo as diferenças e semelhanças entre os estímulos e as percepções. Daí, formamos os conceitos a respeito das coisas, das pessoas e do mundo: quanto mais significativo for o estimulo, mais a criança poderá compreender as suas características, verbalizá-las, e mais aumentará o vocabulário e construirá os conceitos utilizados na comunicação cotidiana: “é no significado da palavra que o pensamento e fala se unem”(VYGOTSKY,1998, p.05), pois (a palavra) não se refere a um objeto isolado, mas a uma classe de objetos.

Daí, cada palavra é uma generalização. Por isso o ensino da língua precisa ser motivador, sistemático com atividades interessantes e integradoras, para a formação do pensamento lógico. Além do mais  falar e escrever são dois fenômenos que exigem comportamentos diferentes de recepção e de emissão para que haja comunicação. É preciso ouvir para decifrar a linguagem escrita. Na recepção trabalham principalmente os ouvidos e olhos e os nervos sensitivos. Já a emissão abrange basicamente a área motora do cérebro, a área de Broca e nervos motores, pois a fala representa sempre algo que se faz ou que se quer mostrar. A recepção envolverá  sobretudo áreas auditivas, visual, de Wernicke e nervos sensitivos, para que haja compreensão, na comunicação.
Só haverá reconhecimento adequado dos sons e das palavras, se o cérebro estiver atento e, se suas áreas estiverem devidamente articuladas e organizadas logicamente. A compreensão de palavras ou frases depende não apenas de quem ouve, mas também de quem fala ou escreve. Por outro lado, o ato de ler inclui fenômenos motores específicos, como o movimento da cabeça e dos olhos. Os movimentos oculares realizados durante a leitura conhecidos como abalos ocorrem principalmente da esquerda para direita (leitura horizontal). Os abalos da direita para a esquerda permitem reler palavras ou frases como acontece na leitura de textos difíceis. Finalmente, ouvirfalarler  e escrever constituem o histórico e mágico desenvolvimento da raça humana, ou seja, o processo de humanização, único na nossa galáxia, até o momento. Cabe à escola e ao alfabetizador tornar as gerações competentes para falar, ler e expressar com beleza, compreensão e criatividade. Isto exige uma organização metodológica e um trabalho pedagógico que só se realizam pela ação regular e sistemática da escola. Eis o grande desafio e mérito do alfabetizador!




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